“Temos de colocar a cara mesmo e brigar contra o racismo”

Everton Luiz, do Partizan Belgrado, fala sobre o episódio na Sérvia que o fez sair chorando do campo e diz que o que o mais o feriu foi a indiferença dos jogadores rivais

G. P

Everton Luiz é mais uma entre diversas vítimas de racismo no futebol europeu. No último domingo, no jogo entre Partizan Belgrado, sua equipe, e Rad Belgrado, o jogador brasileiros se deparou com a torcida adversária imitando gestos e barulhos de macacos. Ao fim do jogo, não suportou a raiva, reagiu às ofensas e chorou. Dias após o ocorrido, ele concedeu entrevista ao EL PAÍS Brasil e falou sobre o episódio de racismo.

Pergunta: O que exatamente você ouviu durante a partida e em que momento percebeu que era direcionado a você?

Resposta: Eu comecei a ouvir torcedores fazendo o barulho de um macaco, além dos gestos. Isso me incomodou. Eu sabia que era para mim pois cada vez que eu chegava mais perto da arquibancada, os gritos e gestos ficavam ainda mais intensos.

P. O que você sentiu quando notou os insultos? Te deu sensação de impotência?

R.
Claro. Impotência, tristeza, raiva, agonia. São muitos os sentimentos que eu tive ali no momento. A gente espera, está acostumado, mas quando acontece, nos deixa bem triste.

P. Você se arrepende de ter reagido da forma que reagiu? Se pudesse voltar atrás, faria o mesmo?

R.
Não me arrependo [de ter mostrado o dedo do meio aos torcedores]. O racismo daquelas pessoas me tirou do sério, e este é um assunto que me tira do sério. Não falo em voltar atrás. Não consigo nem me imaginar voltando atrás em um episódio desses. Espero que nunca mais aconteça.

P. Como agiram os seus colegas durante o ocorrido e como está sendo no clube agora?

R. Do lado do Partizan, foi tudo muito bom. Meus amigos de clube, comissão, amigos fora, família, enfim. Tenho recebido apenas apoio.

P. E as reações do Rad? Alguém tentou se desculpar com você ou ofereceu qualquer tipo de suporte?

R.
Infelizmente, foi o que mais me feriu. As reações dos jogadores deles, que são meus companheiros de trabalho, e não tentaram me defender, ou coibir aquilo. Não recebi nada até agora.

P. O goleiro Kljajic te abraçou após o jogo, numa imagem marcante. O que ele te disse naquele momento?

R.
Ele ficou tentando me acalmar, me dando apoio, me dando suporte. Para ser sincero, eu estava tão chateado naquele momento, que pouco ouvi. Foi difícil ir me acalmando.

P. Você já passou por isso antes, seja na Suíça, México, Sérvia ou até mesmo no Brasil?

R.
Não. Já passei por situações pequenas e até corriqueiras, mas algum episódio neste nível nunca. Esta foi a primeira vez.

P. Sua família já sofreu com outro caso de racismo fora do Brasil?

R.
Aconteceu uma vez aqui na Sérvia. Estávamos [eu, minha mulher e meus filhos] no mercado, e uma criança colocou a mão no cabelo dela e falou “eca”. Ela é muito nova, tem apenas quatro anos. Ficou triste, mas a mãe dela foi acalmando, explicando e passou. Ela ainda não entende a proporção.

P. Você se sente à vontade vivendo na Sérvia? Pretende continuar atuando neste país depois do ocorrido?

R.
Tenho contrato com o clube, sou bem tratado aqui e a torcida gosta muito de mim. Pretendo permanecer aqui até quando aparecer algo melhor para mim. Não tenho o que reclamar do clube e de seus torcedores, pelo contrário.

P. Diversas vezes a torcida do Partizan demonstrou muito carinho por você. Já recebeu mensagens deles desde então?

R.
Eu estou vivendo uma fase ótima aqui. Graças a Deus estou conseguindo me destacar, jogando bem, sendo um dos melhores da competição. Isso faz a torcida gostar de mim. Eu recebei, sim, algumas mensagens de apoio. Isso nos dá força pra continuar.

P. A Sérvia já tem um passado com casos de racismo. O que você pensa sobre a forma como o país combate o racismo e o que espera dessa vez?

R.
Eu creio que o racismo seja uma situação bem complicada na Europa como um todo. Você vê coisas, ouve relatos. Infelizmente, o racismo ainda é muito grande no mundo todo, até mesmo no Brasil. Creio que temos de colocar a cara mesmo e brigar contra isso.

P. Depois de dois dias com mais calma, se pudesse mandar um recado, o que você diria aos torcedores que imitaram macacos para você?

R.
Eu diria que Deus nos fez iguais, e enquanto nós plantarmos ódio, só colheremos ódio. Queremos plantar amor, igualdade, humanidade. É nisso que eu acredito e são estas as bandeiras que vou sempre buscar representar.

Deixe um comentário