Genoma do chá revela a razão de seu sabor e de seu sucesso econômico

JAVIER SAMPEDRO

Existem chás de vários sabores (chá preto, chá verde, chá de Oolong, chá branco, chai…), mas todos eles vêm da mesma planta: a Camellia sinensis, a árvore do chá. Os níveis de cafeína e de flavonoides oscilam muito entre as espécies do gênero Camellia, mas são particularmente elevados na Camellia sinensis, e seu genoma explica o motivo: a árvore do chá passou por inúmeras duplicações dos genes responsáveis por sua síntese. Essa amplificação genéticaé intermediada pelos transpósons (genes saltitantes) e corresponde em grande parte a uma reação diante da domesticação da planta e sua adaptação a diversos climas.

O gênero Camellia, ao qual pertence a árvore do chá (Camellia sinensis), é especialmente rico em espécies de interesse econômico, como as belas e famosas camélias (Camellia japónica, Camellia reticulata, Camellia sasanqua) e a árvore Camellia oleífera, de cujas sementes se extrai um óleo comestível de boa qualidade chamado, às vezes, de óleo de camélia. Mas o grande destaque é o chá, com uma produção anual acima de 5 bilhões de toneladas.

Dada essa relevância econômica, é surpreendente que o genoma do chá ainda não fosse conhecido. E o principal motivo para isso é que se trata de um genoma extremamente difícil de solucionar. Ele não só é grande, como está infestado de segmentos de DNA repetitivo, devido à grande quantidade de transpósons (genes saltitantes) que contém. Lizhi Gao e seus colegas do Instituto Kunming de Botânica e de outras instituições científicas chinesas solucionaram agora o problema, em uma demonstração de perseverança e engenhosidade. Eles estão revelando o primeiro esboço do genoma do chá na publicação online Molecular Plant.

“Existem muitos sabores diferentes de chá”, diz o geneticista Gao, “mas o mistério é saber o que determina ou qual é base genética desses sabores”. Pesquisas anteriores já haviam indicado que boa parte do sabor do chá se deve aos flavonoides, em particular a um deles, chamado catequina. Essas moléculas são antioxidantes que servem para as plantas se adaptarem ao seu ambiente. A catequina, além disso, confere ao chá o seu típico sabor amargo.

A cafeína e a catequina não são exclusividade do chá –as outras 115 espécies do gênero Camellia também contêm esses compostos–, mas elas são particularmente abundantes nele. E os cientistas chineses descobriram o motivo: os genes responsáveis pela síntese dessas substâncias se duplicaram em série no genoma do chá. E essa amplificação dessas famílias de genes foi intermediada por transpósons (genes saltitantes), e especificamente por um tipo chamado retrotranspósons, que são antigos retrovírus que perderam sua capacidade de constituir partículas infecciosas.

Nada menos do que 67% do genoma do chá são sequências de retrotranspósons. Esta é a razão pela qual se tornava tão difícil solucioná-lo. Para sequenciar um genoma, os cientistas começam por quebrá-lo em vários pedaços. E de formas muito diversas, para que os fragmentos se soltem. Depois disso, se faz a sequência (se ) cada fragmento, para em seguida reunir tudo graças aos encaixes entre fragmentos. Mas, em havendo 67% de retrotranspósons, que são basicamente iguais uns aos outros, os encaixes são ambíguos. Como disse Gao, é como montar um quebra-cabeças em que a maior parte das peças são pedaços de um céu azul sem nenhuma nuvem.

Durante o ciclo de vida do retrovírus, o genoma viral se integra ao genoma do hóspede, depois gera muitas cópias de si mesmo e, ao final, cada genoma é envolvido por uma partícula infecciosa. Os retrotranspósons perderam essa última habilidade, mas conservam a de se integrar ao genoma, e frequentemente geram cópias de si mesmos que se integram a outros pontos do genoma. Um fenômeno comum durante esses saltos é que eles levam consigo parte do genoma do hóspede que esteja ao lado. Esse é o mecanismo pelo qual o genoma do chá duplicou muitas vezes os genes responsáveis pela síntese da cafeína, catequina e outros flavonoides.

Gao e seus colegas acreditam que essas amplificações de famílias de genes permitiram à arvore do chá que se adaptasse aos inúmeros ambientes onde a planta é semeada atualmente. Vários dos saltos de retrotranspósons são recentes (ocorreram nos últimos 5.000 anos), razão pela qual parece ser provável que se trate de reações à domesticação e ao cultivo do chá. Ou seja, um produto da seleção artificial que inspirou Darwin em sua teoria da evolução. Na genômica, chegou, agora, a vez do chá.

El País Brasil

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