O episódio ficou conhecido na História como O Quebra de Xangô. Durante muitos anos, os cultos de matriz africana eram rezados em silêncio
Foi um dia de espancamento, violência e prisões. A dor e o sofrimento durou até a madrugada do dia 02 de fevereiro de 1912. Integrantes da Liga dos Republicanos Combatentes, que faziam oposição ao governador Euclides Malta, invadiram e destruíram os terreiros de Maceió. Casas de Axé existentes nos bairros Centro, nas imediações da Praça Sinimbu; Jaraguá, nas imediações da linha férrea, Farol, e em outras localidades da Capital, foram alvo da Liga.
A situação vivida pelas lideranças religiosas de matriz africana e pelos adeptos do Candomblé e da Umbanda contribuiu para que representantes de nações como o Xambá deixassem Alagoas e se fixassem no estado vizinho, Pernambuco. Os que ficaram, tiveram que rezar o Xangô em silêncio, o que foi caracterizado pelos pesquisadores como Xangô Rezado Baixo.
Perdão – Passados 109 anos, as lideranças de matriz africana de Maceió, com o apoio do trabalho realizado por pesquisadores alagoanos, conseguiram transformar a narrativa histórica do preconceito, da intolerância e do racismo religioso em perdão.
O antropólogo, professor e pesquisador Edson Bezerra conta que em 2006, foi realizado um cortejo que ficou conhecido como Xangô Rezado Alto. Yalorixás, Babalorixás e grupos culturais das Casas de Axé saíram, da Praça 13 de maio até a Praça Sinimbu, para mostrar a sociedade a fé nos orixás.
Seis anos depois, em 2012, o então governador Teotônio Vilela Filho, pediu perdão oficial aos pais e mães de santos alagoanos pela violência sofrida durante O Quebra de Xangô de 1912. Nesse mesmo ano, o povo de axé tomou conta das ruas de Maceió, ao realizar um cortejo religioso-cultural, para demarcar e dar visibilidade à identidade sociocultural e manter viva a sabedoria ancestral africana. A ação foi realizada pela Universidade Estadual de Alagoas (Uneal). Em 2013, a Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC) passou a organizar o evento.
Em 29 de janeiro de 2021, devido a pandemia de Covid-19, o Xangô Rezado Alto foi realizado em comum acordo com as lideranças religiosas de matriz africana durante o Vamos Subir a Serra. A mesa Memória do Quebra de Xangô e o Racismo Religioso debateu o tema e trouxe depoimentos de Yalorixás, Babalorixás e pesquisadores sobre a história da identidade alagoana, marcada pela herança africana e trazida para o estado a partir dos elementos, objetos, dança, música e religiosidade das diferentes casas e nações do Candomblé e da Umbanda.
Ancestralidade – Para manter vivo o axé, a ancestralidade e a luta contra o racismo religioso, a comunidade do terreiro Grupo União Espírita Santa Bárbara, cuja liderança religiosa é Mãe Neide Oya D’Óxum, realizaram nesta terça-feira (02), uma intervenção urbana no elevado do Cepa, junto ao grupo cultural Inaê.
Inspirados em Tia Marcelina, Mãe de Santo alvo da violência em 1912, os adeptos colocaram uma faixa na qual está escrito “Tia Marcelina Vive” e ainda denunciam o racismo religioso praticado pelo ex-governador Fernades Lima, que dá nome a uma das principais avenidas da Capital. Tia Marcelina ficou conhecida por sua honra e dignidade ao dizer depois de ter sofrido violência e ter visto seus objetos sagrados de culto serem destruídos: “Quebra tudo, só não quebra o saber!”
No Brasil, a liberdade de culto é garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal. A Constituição Estadual também garante a liberdade de culto religioso em Alagoas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) garante e reconhece a contribuição histórica e cultural dos ancestrais africanos, trazidos para o Brasil e que aqui foram escravizados, ao determinar o ensino da história e da cultura afro brasileira nas escolas públicas e particulares do País.
Ascom/FMAC