El País
Amor e ódio marcam a relação dos brasileiros com o comandante cubano. Desde a sua primeira visita ao país em 1959, ele nunca saiu daqui
Por amor ou por ódio a sua figura, Fidel Castro é um personagem onipresente no Brasil. Foi e é um grande inspirador para os movimentos de esquerda brasileira, especialmente o Partido dos Trabalhadores, apegados à imagem de resistência ao capitalismo ocidental promovida pelo comandante cubano. É execrado, por outro lado, pelos movimentos de direita e anti-PT que enxergam em Fidel a encarnação do mal, com destaque para seu lado ditatorial, seus desmandos autoritários, a falta de liberdade do povo cubano. A generosidade dos governos petistas com a ilha também é alvo de manifestações de ódio de seus detratores.
Mais recentemente, ficaram em destaque acordos entre o Brasil e Cuba na área de saúde com a chegada dos médicos cubanos durante o Governo Dilma, dentro do programa Mais Médicos, para atender áreas carentes onde faltavam profissionais brasileiros. A construção do porto Mariel também ganhou destaque, num acordo que se tornou polêmico, com o patrocínio do BNDES, e a participação da empreiteira Odebrecht.
A proximidade do comandante com os ex-presidentes Lula e Dilma sempre despertou paixões, para o bem e para o mal. Fidel foi sempre explícito em seu entusiasmo pelo governo de Lula. “A eleição de Lula traz ânimo, esperança e otimismo à América Latina”, afirmou em 2003, quando o ex-presidente foi confirmado no poder. Numa das últimas manifestações do Governo cubano, este ano, a diplomacia da ilha criticou o processo que viria a destituir Rousseff do poder.
Mas a relação estreita entre o Brasil e Cuba vem de longa data, na verdade. Poucos meses depois da vitória das tropas de Fidel sobre o ditador Fulgencio Batista, no dia 1 de janeiro 1959, o presidente brasileiro Juscelino Kubitschek reconheceu o novo Governo, ainda sem ter clara qual seria a orientação política deste. Kubitschek tinha interesses numa política panamericana, que já vinha sendo negociada com Batista, e queria contar com o apoio do novo líder da ilha caribenha.
Fidel viria a visitar o Brasil naquele ano. Acabou conhecendo a capital Brasília ainda em obras, conta historiador Vitor Bemvindo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em artigo publicado no portal Revista da História. “No Rio, teve uma agenda digna de grandes chefes de Estado”, conta o historiador. Trocou charutos com Kubitschek, e enalteceu o papel do Brasil para o continente. “Em entrevista coletiva na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o comandante cubano reforçou a imagem: ‘Cabe ao Brasil a posição de líder na luta dos povos latino-americanos contra o subdesenvolvimento”.
Os governos militares no Brasil, alinhados aos EUA nos tempos da guerra fria, congelariam essa aproximação. O país rompeu relações diplomáticas com Cuba. O comandante, porém, patrocinado pela então União Soviética, tentou fortalecer um movimento de guerrilha no Brasil para lutar contra a ditadura dos generais. Não deu certo, e a ditadura se perpetrou até 1985. Mas muitos dos nomes que passaram por treinamento na ilha estão no cenário político até hoje. Pelo menos 202 militantes de esquerda seguiram foram treinados pelas tropas de Fidel. Dentre os mais famosos, José Dirceu, hoje preso pelo processo do mensalão, o ex-deputado Fernando Gabeira, e o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
A relação diplomática entre os dois países seria restabelecida em 1986, já com a democracia restabelecida no país. Desde então, os governos brasileiros têm ampliado a troca comercial e inclusive a presença de companhias nacionais na ilha. Somavam-se 400 até recentemente. Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo este ano, o embaixador Rubens Barbosa lembrou que a proximidade com Cuba não foi obra do PT, mas uma política de Estado do país. “O Brasil sempre apoiou Cuba, não foi o governo do PT que começou a apoiar Cuba. Todos os governos pediram o reingresso de Cuba no sistema americano e foram contra o embargo, queriam a normalização da relação de Cuba com todos os países.”
A sua morte, uma vez mais, volta a despertar os sentimentos contraditórios dos brasileiros pela sua figura. Enquanto alguns celebram a morte de um tirano, outros choram a morte de um dos maiores personagens do século XX. Definitivamente, há pouco espaço para a indiferença em relação ao seu nome no Brasil.